
É sabido que a propaganda não é uma expressão artística. Mas se aproveita do conceito artístico de uma expressão quando nele há um fim.
Como quando, em 2010, o fotógrafo cubano Abelardo Morell fez o ensaio chamado “Camera Obscura”. Um ensaio que aborda o ideal do “cidadão cubano moderno”. Um desejo plausível. Ora que o ideal do “cubano antigo” virou utopia. Apenas reduzido ao desejo de ver o comunismo de longe. De preferência, nos livros que tratam dos detritos da história. Sem mais, no pensamento contemporâneo ainda há a ideia de ver o comunismo através da distância. Posto que o reinado imposto pela família Castro mofa morosamente. Fazendo com que, do solo norte-americano, o cubano moderno assista ao seu definhamento.
Todavia, as fotos de Morell são uma alusão ao “sonho americano”. Dado que ele as elaborou com base em dois fatores que caracterizam a individualidade. Primeiro, a “casa”. Que é descrita pelo ditado que diz: “o lar de um homem é o seu castelo”. Não havendo algo mais capitalista do que a propriedade. A posse de algo que em um regime socialista seria um bem do estado. Pois, dentro de tal doutrina, a instituição da igualdade se faz por meio da “escravidão coletiva”. Ademais, Morell fragmentou a morada ao utilizar as suas dependências como plataformas. Visto que, em segundo, sobre cada cômodo fez a projeção de imagens que continham os ícones da paisagem nova-iorquina. Cobrindo tudo com a sublimação do desejo do cubano moderno. Que é a sua identificação com o local em que habita. Numa ruptura com a cultura que abandonou.
Doravante, as “perdas” e “conquistas” são particularidades de cada ente. Porque não é possível dividir a vitória em igual proporção a que foi recebida. Dado que a necessidade de um indivíduo é tão una quanto as suas impressões digitais. E, depois, não há interesse em partilhar do aborrecimento de outrem.
Assim, a grife paulistana Fillity publicou na mídia de São Paulo um anúncio sobre a sua Coleção de Inverno de 2011. Uma peça impressa com aspecto de aquarela. Que resultou do olhar de J. R. Duran. E seguiu a estrutura criada por Morell. Primeiro, ao usar como base as partes de uma mansão. No caso, uma sala toda decorada com madeira. Gerando uma sensação introspectiva. Ademais, em segundo, sobre ela foi projetada a imagem das plantas de um jardim. Com isso, evocando a beleza nostálgica de uma natureza-morta. E, em terceiro, se completou a mensagem com a figura austera da modelo gaúcha Daniela Lopes. Que, coberta de couro negro, aos 28 anos, se vê à véspera de encarnar o mito da balzaquiana. O arquétipo da mulher experiente que, em 1831, Honoré de Balzac tirou do imaginário coletivo e materializou nas páginas do livro “A Mulher de Trinta Anos”.
Por fim, por meio da atmosfera bucólica que se buscou, a grife dialoga com a mulher que construiu a sua personalidade. E, por isso, está aonde quer, como quer e com quem quer – ou seja: ninguém. Pois, por assumir a sua exclusividade, se faz quista à vontade alheia. Transmitindo a transparência de quem faz da dúvida o passatempo dos indecisos.
Foto: jramspott no Flickr